14 septiembre, 2007

Rede da discórdia

... ou a história do quase

Primeira vez em que, de verdade, sou tachada como persona non grata nessa cidade. Meus vizinhos de porta não são lá muito chegados a imigrantes. Se forem brasileiros então...

Ok, eles têm histórias precedentes que ajudam a manter reservas. É que os antigos moradores do meu apartamento, todos brasileiros, eram campeões em festas no prédio: fala alterada, música alta, entra e sai de gente... Na última, colocaram 12 pessoas em um elevador em que só cabem quatro.

Isso eu só fiquei sabendo depois. Até aí não entendia o porquê da dificuldade de arrancar um simples hola nos encontros de corredor.

Outro dia estávamos nós três, companheiras de piso, e uma amiga tomando vinho e conversando na sala. Era sexta-feira à noite, um pouco antes das 11 horas, e eis que toca a campainha. O vizinho, de maneira educada, queria saber o que tínhamos pendurado na sala que fazia um barulho estranho do outro lado.

Ai, ai... era preciso uma imersão na cultura indígena brasileira para explicar o que é uma rede de dormir. Nos restringimos a dizer que era uma inofensiva maca, na tentativa de encontrar uma palavra que se aproximasse do que queríamos dizer. Não posso saber o que eles teriam imaginado.

Pensei em começar essa história de novo: fazer uma torta ou bolinhos, bater na porta e me apresentar. Bom, numa versão mais brasileira, melhor seria levar um bolo de fubá, um acarajé, um... Ihhhh! Vai que pensam que é macumba. Deixa quieto.

Sobre redes de dormir:
"A rede nos acompanha desde o primeiro ao último dia - é berço, leito nupcial, é cama de enfermo, é caixão de morto". Raquel de Queiroz

“A cama obriga-nos a tomar o seu costume, ajeitando-nos nele, procurando o repouso numa sucessão de posições. A rede toma o nosso feitio, contamina-se com os nossos hábitos, repete, dócil e macia, a forma do nosso corpo. A cama é dura, parada definitiva. A rede é acolhedora, compreensiva, ondulante, acompanhando, morna e brandamente, todos os caprichos da nossa fadiga e as novidades imprevistas do nosso sossego. Desloca-se, incessantemente renovada, à solicitação física do cansaço. A rede colabora com a movimentação dos sonhos. Entre ela e a cama há a distância da solidariedade à resignação”.
Luis da Câmara Cascudo. Rede de Dormir: uma Pesquisa Etnográfica. 2 ed. São Paulo: Global, 2003.

2 comentarios:

Daniela Hinerasky dijo...

adorei saber da história, lili!
que texto lindo sobre as redes...
mas tu prefere mesmo este enrosco?

e afinal? que tanto balançam nesta rede??? heheheh

Liliane dijo...

Boa, Dani... Juro a minha absoluta inocência quanto ao tema do balanço. A rede pode ser ótima pra muitas coisas, os textos são inspiradores, mas confesso que ainda prefiro a minha cama!